“Trago Provisões”
Minha avó escrevia saberes entre as páginas do seu caderno de receitas.
Severa, nunca mostrava, eram coisas dela! Traduzia e dialogava com infindáveis livros. Curiosa se fechava entre eles. Todos sabiam de seus saberes.... Bem, e assim como ela começo a dialogar sobre a minha vida, na minha casa traduzida em ateliê!
Passeio pela minha casa-ateliê que me permite estar sempre dentro do meu espaço de devaneio, de entrega, onde estou solta em pensamentos.
É sempre assim: tenho coleções de ideias, junto com minhas mais remotas lembranças, somadas aos meus sonhos estranhos do meu dia a dia, e viagens sem muitos destinos1.
Trago sempre provisões, daí o título deste texto.
Este mundo eu olho e apreendo. E é lá em casa, no meu lugar artístico, na minha casa-ateliê, que deposito tudo.
Assim é minha coleção de águas que trago de cada lugar que conheci, trago não só um pouco daquilo que vi, mas as definições como “porte bonheur” para dar sorte, “que é pra me dar coragem pra seguir viagem...
1. Durante mais de 20 anos, eu e meu companheiro Luiz Coelho quisemos conhecer a América do Sul, assim saímos de São Paulo de carro por estradas e alguns mapas, procurando o
desconhecido. Atualmente nos estendemos para conhecer algumas ilhas da Polinésia, e por estradas toda a Gran Bretanha.
Para a minha casa-ateliê eu não trago lembranças, mas desígnios. Neste se envolver que as distâncias me deram (lugares singulares, cheios de poderes), trouxe força; forças de muitos mundos estranhos, e o curioso é que quanto mais estranhos, mais força me trazem. Estes objetos estão todos juntos, águas, pedras, folhas secas, galhos, cadernos de viagem, registros, um conjunto de tudo que vivenciei. O curioso é que eles dialogam comigo!
Sei que tudo se torna alimento para uma obra de arte. Sei também que não são apenas lembranças, mas resgates de dias vividos, caminhos tortuosos, de terra, caminhos de ventos, jamais descritos nos mapas, porque carregam a incerteza.
Na desordem do acaso vejo o que nem ouso esperar. A confusão também continua na desordem do dia a dia.
Na casa-ateliê me acolho! Eu e minhas coleções de estranhamentos que não sinto a menor necessidade de domesticar. Como vida e arte se confundem; me alegro com os desterros fracionados em diários. O que me envolve é chamado de arte, e as camuflo nas minhas vontades! Conto tudo para mim
mesma; se tornam descobertas, chego a pensar que são livros de
ensinamentos.
Vivo dentro de uma cidade grande, mas o meu lugar é envolvido por muitas árvores altas, plantas, cheiros e animais que aparecem. Isto acolhe os meus viveres. Coloco em vitrines meus resgates que aos poucos misturam seus cheiros rançosos entre si, reclamando por seus habitats, de outros mundos. E tudo se refaz pela memória. O desconhecido me alimenta, a casa acolhe, o ateliê traduz tudo numa vida minha!!!
Nascida em São Paulo vive e trabalha em sua casa-ateliê em São Paulo.